Vi o que vi debaixo do sinal vermelho de uma esquina da José de Alencar, perto do Olímpico. Aconteceu dias atrás, num desses dias azuis e amarelos de quase verão. Fazia uma tarde amena de sol, por isso estava com os vidros abertos, o que é raro. O sinal demorava a trocar. Lancei um olhar distraído por cima do ombro direito. O olhar espreguiçou-se para o mundo exterior e esbarrou no carro ao lado.
Então a vi.
Ela também mantinha os vidros abaixados. Havia apoiado o cotovelo na janela e a concha da mão cobria a orelha. Dentro da mão, um celular. Ela não falava; ouvia. E chorava.
A face esquerda do rosto reluzia das lágrimas que lhe caíam do canto do olho.
Fiquei chocado. Porque não havia lógica na cena. Não era uma jovem que chorava, mas uma senhora em idade madura, 60 anos, talvez. Fosse uma garota, seria mais verossímil. Uma garota chora se é rejeitada pelo namorado, ou se briga com o pai, ou se discute com uma amiga.
Uma mulher feita, em geral, já chorou o pranto que lhe cabia. Ela fica triste, ela fica amargurada ou fica até depressiva, mas é incomum que chore em campo aberto, acessível aos olhares que partem dos carros ao lado.
Só que ela chorava ali, sob o sinal.
Observei-a sem pudor, certo de que não havia reparado em mim. Desliguei o rádio do carro e apurei o ouvido. Por algum motivo, precisava de uma pista sobre com quem ela falava. O sinal ficou verde. Ela se aprumou no banco e engatou a primeira marcha. Ia-se embora, mas, antes de arrancar, balbuciou uma frase, a única que consegui captar:
– Está bem, meu filho…
E se foi, ziguezagueando pela floresta de lata do trânsito.
“Está bem, meu filho.” O filho a magoara, a ponto de ela chorar na rua. Lembrei de Maomé, o Profeta, que ensinou: “O paraíso está ao pé da mãe”. Lembrei de Freud, que disse não existir nenhum sentimento tão poderoso, tão incondicional, tão desprovido de agressividade como o da mãe pelo filho homem. E o filho homem reconhece esse sentimento, e esse sentimento se transforma na sua referência emocional sobre a Terra. Não é por acaso que os soldados feridos de morte, desamparados no campo de batalha, gritam pela mãe. Homens adultos clamando pela mãe feito meninos no escuro do quarto.
Também não foi por acaso que, dias atrás, um filho pediu que a mãe o ajudasse a ocultar o cadáver de uma moça que ele havia assassinado, e a mãe o atendeu.
Constatei eu mesmo a força desse sentimento nas vezes em que fui fazer palestras na Fase. Os meninos delinquentes lá recolhidos, meninos bandidos, muitos deles perigosos, eles, quando tentam se tornar pessoas melhores, o fazem pensando na mãe. A mãe faz com que se importem consigo mesmos. Porque é assim: você só quer ser melhor do que é por causa do amor dos outros.
Aquela mãe que chorava sob o semáforo, ela parecia ser esse tipo de mãe amorosa, que é capaz de morrer pelo filho. Por que, então, ele a fizera chorar? Poucas coisas são mais tristes para um filho do que causar desgosto a sua mãe.
Fiquei triste por aquela mulher que chorava e pelo filho que motivara o choro. No futuro, tenho certeza, ele vai lamentar aquele diálogo via celular. Gostaria de poder fazer algo a respeito. Bem… fiz. Liguei para a minha mãe.
Fonte: Blog do David Coimbra
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